Desigualdades
Racismo estrutural - A vida após a Lei Áurea

Luis Otávio 13/05/2022 5125

Se a história do povo preto no mundo tivesse 1.000 páginas, a escravidão seria a página 999. Começo esse texto chamando você a procurar pela verdadeira história preta no mundo, enxergar África como o berço civilizatório e reconhecer não somente a riqueza cultural do povo preto, mas também toda a contribuição do mesmo para tudo ou quase tudo que você conhece.

Dia 13 de maio de 1888 foi a data em que a Lei Áurea “extinguiu oficialmente” a escravidão no Brasil. A abolição da escravatura foi o resultado de um processo de luta popular, de muita pressão por parte dos quilombolas, além de ter sido marcada pela resistência das pessoas escravizadas que viviam aqui em condições desumanas entre torturas e apagamento da própria cultura. Você sabia que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão? O país que contém o maior número de pessoas pretas no mundo depois da África foi o último a abolir a escravidão, e isso, com certeza nos leva ao nosso assunto de hoje.

Então vamos lá! Primeiro vamos esquecer essa história de que a Lei Áurea foi uma Lei baseada na compaixão e no amor que pessoas brancas tiveram pelo povo preto, porque não, simplesmente não foi isso que aconteceu. Depois vamos relembrar que a princesa Isabel estava longe de ser uma abolicionista e por último que não existem “escravos”, e sim pessoas que foram escravizadas. Portanto, está completamente errado chamar um povo ou qualquer pessoa de “escravo”. Aqui neste texto vamos falar de pessoas escravizadas.

Na data da assinatura da Lei Áurea (13/05/1888), a Princesa Isabel governava em nome de seu pai, D. Pedro II, que se encontrava em viagem pela Europa, e só veio a receber a notícia mais de uma semana depois, em Milão. Antes de ser uma benevolência da herdeira ao trono, a abolição da escravidão parece ter sido premeditada pelo Império, já que o Brasil vinha sendo pressionado por movimentos abolicionistas (internos e externos). Pedro se encontrava debilitado e Isabel precisava de apelo popular para emplacar o terceiro reinado

Além disso, os "donos de terras” (que na época eram doadas) no Brasil já estavam tendo diversos tipos de despesas baseadas nos números de pessoas escravizadas que mantinham em suas terras e em todo o sustento dessas pessoas. Mas se as terras aqui eram dadas, o que aconteceria após a “libertação” do povo escravizado? Eles receberam essas terras de boa vontade dos brancos também? Seria um lindo sonho, não seria?!

Vislumbrando que, mantida a estrutura fundiária do país, o final da escravidão poderia representar um colapso dos grandes produtores rurais, o governo brasileiro criou meios para garantir que poucos mantivessem acesso aos meios de produção. A Lei de Terras foi aprovada poucas semanas após a extinção do tráfico de escravizados, em 1850, e criou mecanismos para a regularização fundiária. As terras devolutas passaram para as mãos do Estado, que passaria a vendê-las e não a doá-las como era feito até então.

O custo da terra começou a existir, mas não era significativo para os então fazendeiros, que dispunham de capital para a ampliação de seus domínios – ainda mais com os excedentes que deixaram de ser invertidos com o fim do tráfico. Porém, era o suficiente para deixar ex-escravizados e pobres de fora do processo legal.

O fim da escravidão não representou a melhoria na qualidade de vida de muitos trabalhadores rurais, uma vez que o desenvolvimento de um número considerável de fazendas continuou a se alimentar de formas de exploração semelhantes ao período da escravidão.

Dois casos de utilização de formas de exploração semelhantes ao trabalho escravo, mas que não envolvem propriedade legal de um ser humano sobre outro, tornaram-se referência no pós-Lei Áurea. O primeiro é o dos nordestinos levados a trabalhar na florescente indústria da borracha na Amazônia. O segundo,dos colonos estrangeiros trazidos para as fazendas de café do interior do estado de São Paulo. Pela descrição da situação é possível constatar que há um padrão na forma de exploração desses trabalhadores, que continua praticamente o mesmo nos dias de hoje – a servidão por endividamento ilegal.

O fim da escravidão legal no Brasil não foi acompanhado de políticas públicas e mudanças estruturais para a inclusão dos trabalhadores. 

Agora que fizemos um breve resumo sobre o dito “fim da escravidão”, você entende que se um povo que foi “libertado” não tem políticas públicas para viver e continua preso a um sistema que estruturalmente funciona para mantê-lo escravizado, não está de fato livre?

Nós vivemos em uma sociedade estruturalmente racista e esse povo preto não teve sequer direito à educação e principalmente à educação da sua própria cultura: A Africana!

Em um Brasil onde pessoas pretas e pardas representam 55,8% da população nacional, a presença reduzida destas em espaços como as universidades, sinaliza a existência de um racismo estrutural, resquício do regime escravocrata que acabamos de comentar.

Há 19 anos, a UnB tornou-se a primeira universidade federal a adotar cotas raciais em seus processos seletivos de ingresso na graduação e de lá pra cá nós tivemos um grande avanço na implementação de políticas públicas voltadas à inserção de pessoas pretas e pardas no sistema de ensino público e particular do Estado.

Falar sobre desigualdade social no Brasil é, também, falar sobre desigualdade racial. Esta afirmação é fruto das pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, que apontam que as pessoas pretas ou pardas são as que mais sofrem no país com a falta de oportunidades e a má distribuição de renda. Embora representem a maior parte da população (55,8%) e da força de trabalho brasileira (54,9%), apenas 29,9% destas pessoas ocupavam os cargos de gerência, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2018 (PNAD Contínua). A relativa desvantagem também se aplica à renda de cada raça ou cor. Os números apontam que o rendimento médio mensal da pessoa ocupada preta ou parda gira em torno dos R$1.608 contra os R$2.796 das pessoas brancas. E esta desigualdade é mantida, ainda que se leve em consideração o nível de escolaridade, pois a maior parcela das ocupações informais e da desocupação é composta pela população preta ou parda, independentemente do nível de instrução que ela possua. 

E como podemos dar mais um passo à frente num caminho de equidade? Podemos, por exemplo, incentivar nas empresas a aplicação de um Censo de Diversidade para que de forma eficiente possamos implementar um Programa de Inclusão exclusivo para profissionais negros(as) e orientá-los para alcançar cargos de liderança. Ações afirmativas como essas ajudam a estabelecer uma verdadeira atenção às questões de desigualdades presentes em toda a sociedade. 

Conheça aqui o Programa de Inclusão da TROCA e veja como implementar na sua empresa 


Luis Otávio

Luis é natural do Rio de Janeiro, tem 30 anos e atua na cena carioca das festas com sua personagem Onírica. Artista, web designer e produtor cultural, nas horas vagas ta sempre no mato buscando paz e encontrou na yoga um ponto de encontro com o equilíbrio e o bem estar.

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