Escrever sobre identidades, expressões de gênero e diferentes orientações sexuais é um desafio, não somente pelas inúmeras possibilidades existentes, mas sobretudo por se tratar de pessoas que possuem seus direitos sistematicamente violados. O desafio é ainda maior para quem aqui escreve: mulher branca, cisgênera, heterossexual, de origem suburbana, mas que hoje vive em uma área privilegiada da cidade. Nunca o meu direito à cidade, ao amor, à vida, foi questionado. Mas me coloco aqui no lugar empático, de valorização dos direitos humanos, de valorização da vida de todas as pessoas.
Como sou e me expresso
É importante diferenciar os termos identidade de gênero e expressão de gênero. A identidade de gênero é como a pessoa se percebe em relação a si mesma e na relação com as demais pessoas, ou seja, como ela se identifica na sociedade.
A expressão de gênero é como a pessoa manifesta publicamente a sua identidade de gênero, por meio do seu nome, comportamento, da forma como interage com as demais pessoas ou quaisquer outras possibilidades.
Sigla inclusiva
O movimento inicialmente denominado LGBT teve seu nascimento simbólico no bar Stonewall Inn em Nova Iorque, frequentado principalmente por homossexuais, em que eram comuns cenas de repressão policial e preconceito, até que as pessoas que frequentavam resolveram confrontar essas opressões. Esses confrontos deram visibilidade e levaram à maior articulação das pessoas LGBTIQIA+. É importante dizer que os acontecimentos em Stonewall foram precedidos, em décadas anteriores, por movimentos que já tinham algum nível de organização.
A sigla LGBTQIA+ tem uma grande relevância no debate público. Além da afirmação da multiplicidade existente, é uma forma de dar visibilidade às pautas dos diferentes grupos. Pautas que passam pelo direito a amar, a participar do mercado de trabalho, ter seus direitos básicos garantidos, ter o seu direito à vida preservado.
É importante entendermos os significados da sigla LGBTQIA+ (Glossário Catraca Livre):
L, G, B: as três primeiras letras são referentes à orientação sexual. O L às lésbicas e o G aos gays, ou seja, mulheres e homens, respectivamente, que sentem atração afetiva e/ou sexual por pessoas do mesmo gênero que o seu. Já o B inclui as pessoas bissexuais, que têm essa atração por ambos os gêneros.
T: abrange as identidades de gênero, sendo elas transgêneros(a), transexuais e travestis. Essas pessoas se identificam com um gênero diferente do que foi designado em seu nascimento. Além disso, é o oposto de cisgênero(a), que são homens e mulheres que se reconhecem conforme seu gênero de nascimento.
Q: vem de queer, que são as pessoas que transitam entre os gêneros feminino e masculino ou que não seguem a binaridade masculino-feminino (pessoa não binária).
I: fala sobre o intersexual, que são pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal é não binário, então não se encaixa na lógica masculino-feminino.
A: aborda os assexuados, que não sentem atração sexual por outra pessoa.
+: são as inúmeras outras possibilidades de orientação sexual e identidade de gênero. Um exemplo são os pansexuais, aqueles que sentem atração afetivo-sexual independente da identidade de gênero.
A violação estrutural diária
Pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com secretarias do Ministério da Saúde e universidades, com base nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS), mostrou que a cada uma hora uma pessoa LGBT+ é agredida no Brasil. Entre 2015 e 2017, período analisado, foram encontradas 24.564 notificações de violências contra essa população.
Os dados revelaram que mais da metade das agressões são cometidas em pessoas negras. Na adolescência, o número de negros é ainda maior: 57% das pessoas LGBT+ de 10 a 14 anos agredidas são pardas ou pretas. Em todas as faixas etárias, a violência mais frequente foi a física (75%).
A pesquisa mostrou ainda que 46% das vítimas eram transexuais ou travestis e 57% eram homossexuais, dos quais 32% lésbicas e 25% gays. Estima-se que esses números sejam muito maiores, já que a pesquisa se limita aos dados das violências atendidas e notificadas nos serviços de saúde. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA) ratificam a informação trazida pela pesquisa e alertam que o Brasil permanece no 1º lugar no ranking dos assassinatos de travestis e transexuais nos últimos 10 anos.
A proteção e inclusão das pessoas LGBTQIA+ é uma pauta fundamental da agenda de direitos humanos e diversidade. Não podemos pensar em uma sociedade mais justa e sustentável enquanto ainda perdemos vidas e desperdiçamos (em vida) tanta potência.
Algumas boas práticas para inclusão das pessoas LGBTQIA+:
1) Contratar profissionais LGBTQIA+, inclusive para cargos gerenciais;
2) Conscientizar sobre a importância do acolhimento e respeito a todas pessoas;
3) Utilizar o pronome neutro para incluir todas as pessoas nas comunicações;
4) Apoiar ONGs e ações sociais voltadas para a comunidade LGBTQIA+;
5) Não utilizar de forma pejorativa ou xingamento termos como “viado”, “bicha”, “sapatão”, “traveco”, etc;
6) Respeitar a orientação sexual de todas as pessoas, sem julgamentos;
7) Denunciar e acolher caso uma pessoa seja vítima de violência LGBTfóbica.
Referências:
Por que junho é o mês do Orgulho LGBT #ProudAtWork
Glossário LGBTQIA+: entenda cada letra da sigla e termos comuns
Um LGBT é agredido no Brasil a cada hora, revelam dados do SUS
Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019
Imagem: unsplash