Enfrentamos muitos desafios enquanto sociedade: guerras, imigrações em massa, aquecimento global, que demonstram o seu poder de impactar os países em escala global, apesar das diferenças políticas, econômicas e sociais. Mas são poucos eventos que em um curto período são capazes de alterar a dinâmica de todas as relações no mundo. Vemos na história uma pandemia por século. A pandemia do século XXI veio mostrar a sua força, apesar da tecnologia e avanços da medicina. Neste artigo, vamos falar sobre saúde mental, impactos da pandemia e cuidados práticos para o controle da ansiedade.
A pandemia ampliou os desafios globais e acelerou processos. O rápido crescimento dos casos de Covid-19 não permitiu compartilharmos novas metas e compromissos a médio e longo prazos, tamanha a urgência de salvar a vida das pessoas. A velocidade é um ponto relevante, pois já vivíamos de forma tão acelerada, em que o tempo era cada vez mais escasso e comprimido pelas inúmeras atividades e estímulos diários, o cenário político, econômico e social turbulento e uma crise que ainda não enxergávamos o seu fim. Por outro lado, a pandemia trouxe outro ritmo. Uma grande parcela das pessoas em casa, menos veículos nas ruas, diminuição da capacidade produtiva em vários setores, menos emissões de gases de efeito estufa, algumas áreas até mesmo paralisadas. Mas ao mesmo tempo em que diminuímos o ritmo enquanto sociedade, ampliamos a crise, as desigualdades sociais e as incertezas que atravessam o nosso cotidiano.
Esses impactos foram potencializados pela necessidade de adaptação ao isolamento, novos cuidados e hábitos, medo de uma doença desconhecida e uma nova rotina compulsória. Apesar da nossa maior permanência em casa em função do isolamento, não foi tempo de descanso. Ainda estamos sob uma tensão social que tem relação também com o fato de desconhecermos o fim dessa história, o que pode causar maior ansiedade.
Impactos na saúde mental
É importante refletirmos sobre os efeitos na saúde mental das pessoas. Temos nos destacado negativamente nos últimos anos. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), no Brasil, a depressão afeta cerca de 11,5 milhões e somos o país com o maior número de pessoas com transtorno de ansiedade do mundo: 18,6 milhões, quase 10% da população.
Houve um aumento nos sintomas de depressão e ansiedade em vários países, de acordo com a OMS, em que aspectos como o isolamento social, o medo de contágio e a perda de membros da família são agravados pelo sofrimento causado pela perda de renda e de emprego. Alerta também que alguns grupos populacionais são mais afetados, como as pessoas mais pobres, profissionais na linha de enfrentamento da pandemia, idosos, mulheres e crianças.
Não podemos deixar de fazer, no caso do Brasil, um recorte de classe e étnico-racial, embora sejam poucas as informações sobre essas dimensões e a incidência dos transtornos de saúde mental. De acordo com pesquisa do Ibope (2008), as classes C e D são as mais vulneráveis à depressão, com 25% contra 15% das classes A e B. Os estudos apontam que a prevalência de transtornos mentais é maior na população negra em relação à branca (Araujo, Smolen, 2016). Podemos relacionar a fatores como estresse e discriminação, já que esta é muito mais recorrente na trajetória das pessoas negras, assim como a maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, que fica escancarada quando vemos os números da pandemia: segundo o IBGE, pessoas negras representam 57% dos mortos enquanto brancas são 41%.
Pesquisa da Kaiser Family Foundation apontou que 45% das pessoas informaram que sua saúde mental foi afetada pela pandemia. No universo de mulheres, o número é maior: 53% em comparação a 37% dos homens. As mulheres são mais afetadas pelo maior tempo gasto com atividades domésticas e cuidados com familiares. Segundo o IPEA, no Brasil, as mulheres gastam em média 18 horas semanais a mais que os homens com essas atividades. A psicóloga Maryam Abdullah da Universidade da Califórnia afirma: “A pandemia global destaca as diferenças entre gênero, raça, classe social e outras características da nossa sociedade. Obviamente as mulheres estão cuidando dos filhos, trabalhando, e muitas delas são chefes de família. Ter que lidar com essas responsabilidades sem o suporte para cuidar dos seus filhos ou delas mesmas gera sobrecarga”. Além disso, estão mais na informalidade e na linha de frente da saúde.
A promoção da saúde de mental e o enfrentamento da pandemia
O cuidado com a saúde mental é um elemento central e deve estar integrado com as demais respostas de enfrentamento à pandemia. O diretor-geral da OMS Tedros Adhanom afirmou que se “houve algum momento para investir em saúde mental, é agora” e ressaltou que a reorganização dos serviços que acontece hoje em escala global, em função da pandemia, poderá ser uma oportunidade para construir um sistema de saúde mental mais inclusivo e acessível.
Estamos em um processo de transição. Não conhecemos exatamente os seus desdobramentos, o tempo necessário para ajustá-los e claramente quais serão os próximos passos, mas sabemos que teremos alguns aprendizados importantes.
Um deles já está claro: todas as pessoas são vulneráveis, ainda que em diferentes níveis, e só enquanto coletividade conseguiremos superar essa crise.
Algumas práticas podem ser interessantes para ajudar a promover a saúde mental. Seguem 7 cuidados para ajudar no controle da ansiedade:
1) Adapte a sua rotina para esse contexto, sem muita rigidez, ter horários para refeições e encerramento das atividades pode ser bastante útil;
2) Negocie e compartilhe as atividades de cuidado com a casa e familiares, na medida do possível, com as pessoas que dividem a temporada de isolamento com você;
3) Não tente resolver todas as suas pendências nesse período (lojas estão fechadas, serviços mais restritos, etc.)
4) Mantenha a produtividade sem descuidar da saúde: buscar maior produtividade agora pode gerar frustração e esgotamento;
5) Acesse informações de fontes confiáveis e objetivas;
6) Faça do seu tempo livre, livre! Relaxe!
7) Se precisar, procure ajuda.
Referências:
Relatório da OMS sobre os transtornos mentais na região das Américas, 2018
COVID-19 e a Necessidade de Ação em saúde mental
Pesquisa Ibope (2008) e o estigma enfrentado nas periferias pelas pessoas com depressão
Jenny Smolen; Edna Araújo. Raça/cor da pele e transtornos mentais no Brasil: uma revisão sistemática
Psicóloga Maryam Abdullah da Universidade da Califórnia fala como a sobrecarga afeta mais as mulheres
Por que o coronavírus mata mais as pessoas negras e pobres no Brasil e no mundo
O IBGE apoiando o combate ao COVID 19
Kaiser Family Foundation
Imagem: freepik